
Infraestrutura resiliente às mudanças climáticas
O que garante que em dez ou cem anos obras contra cheias funcionarão adequadamente?
Porto Alegre tem um sistema de proteção contra cheias (SPCC) construído há cerca de 50 anos. Teria evitado parcialmente o transbordamento do rio Guaíba em 2024 se tivesse sido mantido e modernizado ao longo das décadas.
Como não foi, na hora H algumas comportas emperraram, estações de bombeamento falharam e a água, que deveria escoar da área urbana “protegida” para o rio, correu no sentido oposto.
Diversas cidades do vale também sofreram com a inundação, demonstrando a necessidade de planejar a macrodrenagem da bacia hidrográfica de forma integrada com a microdrenagem municipal.
Agora é hora de reconstruir e aperfeiçoar as estruturas que compõem o SPCC, considerando as lições aprendidas em 2024. Além disso, será necessário construir novos sistemas de proteção onde for possível, disciplinar a ocupação do solo onde não for e orientar a população sobre como agir nas emergências.
O evento de 2024 é penosa demonstração de que as consequências das mudanças climáticas são problemas do presente, não do futuro. É necessário atualizar os estudos hidrológicos e adaptar as obras às novas condições.

Tão importante quanto a construção é a manutenção da infraestrutura ao longo das próximas décadas. Se não for feita corretamente, novas chuvas excepcionais poderão causar inundações.
Essa é a tarefa que me causa maior preocupação. Não apenas no caso de Porto Alegre mas também em qualquer programa de adaptação às mudanças climáticas que inclua a construção de barragens, diques, comportas, vertedores e estações de bombeamento. O que garante que daqui a dez ou cem anos essas obras funcionarão adequadamente?
Essa dúvida inexiste nos países em que instituições públicas funcionam ao longo de décadas com continuidade de políticas públicas e de recursos, tanto financeiros quanto humanos. Por exemplo, o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA mantém em condições operativas as estruturas construídas há quase um século, como é o caso do extravasor de Bonnet Carré. É o nosso caso aqui no Brasil?
Lamentavelmente, penso que não. Por exemplo, o DNOS (Departamento Nacional de Saneamento), entidade responsável pela construção e operação do SPCC de Porto Alegre, foi extinto na administração Collor sem nenhuma garantia de continuidade de suas atribuições por outras entidades.
É preciso aprender com a história sobre as limitações de nossa governança e tentar outros arranjos institucionais. Como dizia Einstein, loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual.
Uma alternativa seria atribuir a responsabilidade de construir e operar a infraestrutura a uma empresa por meio de um contrato de PPP (parceria público privada) de longa duração, digamos 30 anos. Nesse caso, seria o parceiro privado, não o governo, o responsável pelo investimento de construção e pelo custo de manutenção.
Em troca, o parceiro receberia anualmente uma quantia predefinida, num contrato semelhante ao praticado pelo setor elétrico no segmento de transmissão. Porém, como o pagamento anual teria origem fiscal, não atrelado à receita da cobrança de tarifas, seria preciso dar ao parceiro uma indiscutível garantia de adimplência governamental.
Na direção oposta, eventual inundação em “área protegida” ensejaria pesadas penalidades.
Fonte: Folha de S. Paulo